Preâmbulo
Os fatos desta pequena história
são reais e aconteceram em parte aqui no Vale do Amanhecer.
Tia Neiva, orientada por Mãe
Yara e outros Mentores da Doutrina do Amanhecer a relatou aos Médiuns em
sua aula dominical. Muitos detalhes foram eliminados deste relato, pois só
seriam compreendidos por Médiuns desenvolvidos.
Na sua essência a história
desse homem que passou uns dias em tratamento no Vale se prende aos
fatores básicos do desencarne ou morte física e o que acontece logo em
seguida.
Essa é a maior preocupação do
homem em todos os tempos: saber o que lhe acontece depois da morte.
Essa preocupação se traduz no
medo da morte e é parte integrante da alma humana. Se não for bem
interpretada ela leva o homem a erros funestos, como tem acontecido em
todos os tempos. Na verdade o homem se mata um pouco todos os dias de
tanto se preocupar com a morte.
Essa pequena história de um
homem desencarnado, que pouco antes passara pelo Vale do Amanhecer, é uma
lição viva que muito poderá nos ajudar.
Podemos aprender com ela que:
–
A preocupação com a morte só é válida se ela nos ajudar a viver bem
a vida;
–
Morre melhor e tira melhor proveito da vida, quem tiver assistência
espiritual – considerando que “assistência espiritual” não é somente
aquela obtida no Espiritismo;
–
O Espírito se arrepende, na outra vida, mais das coisas boas que
deixou de fazer do que do mal que fez;
–
As oportunidades não acabam com a morte física: o “eu” continua a
existir, as manifestações anímicas são reais e o mundo é o mesmo em outro
Plano.
O mundo físico, a Terra,
torna-se perceptível em suas outras dimensões, outra natureza, outro Campo
Vibracional.
Conclui-se então que é válido
um velho axioma da psicologia: “O Mundo não é como é, mas sim como nós o
vemos...”.
Domingo, 3 horas da tarde.
O Templo do Amanhecer está
lotado de Médiuns que vieram para o Trabalho Oficial. Lá fora o público
espera impaciente o início dos trabalhos. Tia Neiva senta-se diante do
microfone e o silêncio é absoluto. Ela começa.
Salve Deus!
Um dia destes eu estava
distraída cuidando de meus afazeres, quando percebi a chegada de um amigo,
de uma pessoa que passou aqui pelo Vale e que teve apenas dois ou três
contatos comigo.
Oh, Tia! que bom lhe ver depois
de tanto tempo! Tia, só agora consigo lhe ouvir. Passei muitos dias
sentindo a sua presença, o seu amor, porém sem conseguir lhe ver! Porque,
Tia?
Porque você está em um plano e
eu estou em outro.
Mas o seu plano não é
Universal, Tia? A senhora não é clarividente? Os clarividentes não
penetram até a terceira dimensão?
Sim meu filho, a minha
transvisão ultrapassa realmente as barreiras, mesmo as habitualmente
consideradas intransponíveis.
Tia querida, você está me
ouvindo, e isto é tudo. Como é bom lhe ver e lhe ouvir.
A senhora sabe, não sabe? Tudo
que aconteceu comigo?
Não meu filho, não sei de tudo.
Muitas vezes participo de uma situação, vou em socorro dos enfermos e,
quando volto ao corpo não desperto, a não ser em casos que exigem
seguidamente minha presença. O que aconteceu com você é um caso muito
comum. Graças a Deus, em seu caso não houve necessidade de me despertar,
despertar a minha mente quando voltei ao corpo.
Agora preciso desabafar querida
Tia!
Sim, é necessário mesmo que
você desabafe.
Tia preciso lhe contar toda a
minha trajetória.
Eu sei meu filho, vai lhe fazer
muito bem. Tudo está na mente dos Médiuns Doutrinadores e dos Aparás (1).
Salve Deus, meu filho! Pode começar. Tire os últimos resíduos da Terra, e
que neste instante seja levado até os Encantados e possa entregar aos
Iniciados o Mantra da sua vida!
Salve Deus Tia, Foi tudo tão
maravilhoso...
Eu estava com aquele problema
cardíaco, que a senhora sabia quando fui lhe consultar. Mal conseguia
ficar em pé, mantinha-me sempre apoiado no ombro de Dulce, procurando me
equilibrar das tonteiras e pontadas dolorosas na coluna.
A senhora para me aliviar me
disse que eu não tinha nada de grave, que era apenas um problema
espiritual, muita mediunidade incubada e por último mandou-me falar com
Pai Jacó.
Ele me disse palavras de
conforto, belas palavras, e terminou por dizer que meu caso era de
internamento no hospital.
Fiquei três dias na pensão do
Edivaldo, de quarta à noite até sábado.
No sábado fui procurar
novamente Pai Jacó e ele disse que meu problema era espiritual. Também me
disse que nos três dias que havia passado no Vale, a minha freqüência ao
Templo eu havia me libertado de três Elítrios (2).
Realmente, eu já caminhava
sozinho, vinha buscar minha água fluídica e subia de volta a pensão.
Recebi muito carinho do Alencar
e tive muitas palestras com o Sr. Eurides. Ele me contou como veio parar
aqui no Vale e também falou-me da dedicação que tinha à senhora.
A única coisa que me preocupava
e que eu estranhei muito, foi Pai Jacó me mandar de volta ao hospital, uma
vez que eu me sentia muito bem, como nunca estivera.
Dulce, minha mulher e
companheira de uma vida, não estava satisfeita, pois sentia-se desconfiada
daquele meu estado.
Nos dias que permaneci aqui no
Vale, havia se aberto uma nova perspectiva em minha vida. Comecei a me
preocupar com as coisas que não havia feito, com as oportunidades que
tivera nas mãos, de fazer o bem e que deixara de aproveitar. Graças a
Deus, nunca fiz mal a ninguém, pelo menos conscientemente, nunca fiz mal a
ninguém.
Sentia que era outro homem, com
novas energias e com as forças do bem brotando em meu coração. Cheguei até
a pensar na morte como um alívio!
Comecei a pensar no fato de que
eu e Dulce, nunca tivéramos um filho e não tivéramos coragem de adotar uma
criança, que, aliás, era o grande desejo de Dulce!
Lembrei-me então de uma
mulatinha, uma mulher que havia se prostituído e que fizera tudo para me
entregar uma filhinha e eu não havia aceitado. Lembro-me que Dulce chorou
muito devido à minha intransigência.
Mesmo assim, desde que adoeci,
ela dedicou-se inteiramente a mim.
Eu, porém, sentia que ela
abrigava certa mágoa, pois era apegada à sua família e sempre quis voltar
para o Rio. Isso teria sido possível, pois eu era um Sargento reformado e
poderia ir para onde quisesse.
Mas, nessa altura eu senti que
minha missão com a família de Dulce já havia terminado. Depois da
permanência no Vale, eu me acostumara a pensar que com a minha morte,
Dulce voltaria para o seio da família e tudo ficaria bem.
Nesses dias, também comecei a
perceber o meu egoísmo e, com isso tornei-me melhor para ela. Eu ouvira as
palavras do Pai Jacó sem atinar muito com a razão de ele me mandar para o
hospital, uma vez que eu me sentia tão bem.
Saí do Vale no domingo e fui
para o meu apartamento no Plano Piloto.
Foi horrível, senti-me mal e só
conseguia alívio quando tomava água fluidificada de Pai Seta Branca, ou
quando sentia a presença de Pai Jacó.
De segunda para terça-feira, eu
já estava de novo no Hospital das Forças Armadas.
Ah, Tia! que beleza! Foi tudo
tão fácil...
Senti uma forte dor na nuca,
que ia se acentuando e se estendendo para o peito. Depois eu fui ficando
leve, leve, leve e comecei a me preocupar em ficar deitado fazendo muito
esforço para conseguir.
Pensei comigo: estou no Vale do
Amanhecer. Comecei a mentalizar aquela confusão. Quanto mais mentalizava
mais leve me sentia. De repente fui despertado pela voz de Dulce chamando
a enfermeira, estava aflita e parecia dizer: ele está morrendo, ele está
morrendo!
Não me lembro por quanto tempo
ouvi essas palavras de desespero, mas comecei a ter medo e cai em transe.
A partir daí entrei, ou melhor,
a minha mente entro em nível do Plano Etérico, onde fui para ajustar
contas com meu corpo.
Eu, que até então estava leve,
muito leve, comecei a sentir novamente peso e calor dos fluídos maléficos
do meu corpo. Comecei então a me lembrar de Pai Jacó e de suas palavras. O
que estaria acontecendo comigo?
Vi-me andando do Templo para a
pensão do Edivaldo, com uma garrafa de água fluidificada na mão, enquanto
lembrava das palavras de Pai Jacó: você já perdeu muito tempo. Vá para o
hospital e depois venha para fazer a caridade.
Meu pensamento voltou-se para o
jovem Gomes, aparelho de Pai Jacó e que vivia fazendo a maior caridade.
Entretanto eu, com 58 anos, nada fizera.
Tudo continuava suave, como se
nada de mais houvesse acontecido. Aos poucos as visões foram se apagando e
por mais que me esforçasse não via nem sentia nada, nem mesmo dores, que
me dessem algum sinal do que estava acontecendo. Era como se eu estivesse
num avião parado no espaço.
Não tenho noção de quanto tempo
durou esta situação. Logo me vi em outro ambiente, numa rica e
hospitaleira mansão, porém, sozinho, inteiramente só.
Despertou minha atenção, uma
neblina espessa e a pouca distância de mim, que refletia a coloração lilás
do ambiente. Era uma luz lilás que variava de intensidade, conforme a
minha mente. Perdi a noção de tempo.
De repente alguém me chamou por
um nome que não era o meu, porém, eu sabia que era eu quem estava sendo
chamado. Um nome muito diferente do meu.
Começou então a acontecer uma
série de fenômenos. Um homem falava (pelo tom da voz era masculina) e ao
som dessa voz a névoa ia se dissipando, clareando e passando de lilás
escuro para mais claro.
O som de belos sermões
Mântricos foi segurando a minha mente no encanto daquelas palavras. Senti
estremecer o meu corpo e sabia que isso resultava de coisas que havia
feito.
Às vezes pensava apenas estar
sonhando, um sonho bom. Vez ou outra voltava à realidade. Ora sentia
saudades, ora sentia a presença de vícios antigos. A paisagem mudava de
acordo com os meus pensamentos.
Aos poucos fui me
conscientizando dos fatos. O sermão continuava com palavras cujos
significados eu nunca esqueceria. Dizia a voz (que nessa altura parecia
dirigir-se a mais pessoas além de mim): “Homens endurecidos, volvam-se
para dentro dos seus corações, examinem os seus íntimos e vejam o que
podem fazer cada um consigo mesmo. Permanecerão sete dias dentro das suas
próprias consciências e não terão desejos. Depois desse prazo voltarão com
suas mentes para a Terra e de lá partirão para onde lhes aprouver”.
Fiz um esforço muito grande
para perguntar onde eu estava e saber qual era a minha condição, mas minha
voz não saía.
A resposta, porém veio: “Você
terá que permanecer aqui por noventa e seis horas ainda. Olhe para si
mesmo que entenderá melhor. O homem vive na Terra na volúpia dos seus
dias, e sua principal preocupação, sendo a segurança material, se esquece
da sua verdadeira missão, do que foi realmente fazer na Terra. Na verdade
ele vem para restituir o que destruiu. O homem não tem força para atingir
os mundos superiores, enquanto sua mente estiver sob o peso da destruição
que causou”.
De fato Tia tentei me levantar
da Pedra Branca onde estava (agora eu sei), mas tenho certeza que nem o
Super Homem conseguiria.
Foi então que me passou pela
mente, a minha incapacidade de concentração daqueles dias. Senti imensa
frustração pelo que havia feito. É interessante Tia, que lembrei mais do
que havia deixado de fazer do que havia feito. Quantas pessoas que havia
deixado de ajudar e que havia desprezado...
Passei sete dias em Pedra
Branca dentro de mim mesmo. Durante todo o tempo me lembrava de Pai Jacó e
de seu jovem Médium, e tinha a impressão de que o bom Preto Velho iria
chegar ali. Mas nada, durante esses sete dias não vi nem senti presença
alguma. Somente recebia respostas ao que pensava.
Lembrei-me muito da minha pobre
Dulce. Mas tudo eram lembranças longínquas. A minha preocupação maior era
com as coisas que não fizera, as oportunidades que perdera. Lembrei-me
então de José, um antigo subordinado meu que precisava muito de mim e eu
recusara ajudar.
Por fim chegou a hora de sair
dali. Como por encanto tudo se modificou. De repente, me achei no saguão
de uma estação rodoviária, iluminada pelo mesmo clarão lilás. Pessoas
saiam para os destinos mais diversos, porém desconhecidos.
Subitamente ouvi uma voz de
comando que disse imperativa: “Atenção! Destino para a Terra!
Equilibrem-se para a viagem!”.
Meu pensamento voou para o Vale
do Amanhecer! A voz de comando continuava o aviso.
Cheguei, era manhã e parecia
que havia chovido, não tenho muita certeza Tia. Enxergava com dificuldade
e as coisas mudavam conforme meu pensamento. Mudavam, porém nunca saiam
daquele lilás embaçado, mais claro ou mais escuro. Sentia uma sensação de
saudades e pelejava para saber quem eu era realmente. Tenho a impressão de
que se alguém perguntasse o meu nome, eu passaria um vexame, pois não
sabia.
Nisso eu ouvi tocar a sirene do
Templo do Amanhecer e me lembrei do Edivaldo. Fui até a pensão dele, porém
não conseguia enxergar direito. Ele passou perto de mim e eu segurei o
braço dele. Balbuciei alguma coisa, mas ele não me deu atenção. Ouvi
novamente a sirene do Templo e fui para lá. Entrei e parei, justamente
perto da Mesa de Doutrina. Vi então muitas luzes que logo desapareceram,
ficando tudo novamente lilás. Procurei dentre os Médiuns, mas não vi Pai
Jacó.
Antes que pudesse pensar
melhor, senti um forte empurrão e fui atirado para um aparelho, um Médium
masculino. Comecei então a chorar com todas as minhas forças e dizia: Meu
Deus! Onde estou? Para onde irei? Tais perguntas saiam da minha mente
angustiada e ao mesmo tempo eu me irritava. Dei um grito e ouvi a voz de
um Doutrinador me dizendo: Que tem você, meu irmão? Calma, esse corpo em
que você está incorporado não é seu. Comporte-se, tenha calma!
Senti uma vergonha muito grande
e voltei a chorar. O Doutrinador continuou: Quando você pertencia a este
mundo talvez tenha perdido muitas oportunidades. Agora você está num corpo
emprestado e procure aproveitar o melhor desta Doutrina!
Pensei comigo: Pai Jacó me
proteja pelo amor de Deus!
Então aconteceu um fenômeno:
ouvia a voz de Pai Jacó que dizia: Filho, você está com Deus. Se você
aceitar a Doutrina desses Médiuns, essa grande oportunidade, você partirá
para outros mundos.
Suas palavras caíram sobre mim
como o orvalho cai sobre a flor. Pensei: Pai Jacó, meu Paizinho, não me
desampare!
Enquanto me preparava para a
partida o Médium se contraía devido aos fluídos pesados de meu desencarne
recente, fato que hoje eu entendo tão bem!
De repente me desprendi de meus
benfeitores e passei por um processo de verdadeira desintegração. Fui
jogado para uma Estufa (3) que estava em ligação com o Templo do Amanhecer
e, perdi a noção de tempo e espaço.
Só então me convenci que havia
morrido!
Comecei a ter saudades de Dulce
e a me preocupar. Não sei quanto tempo durou essa situação. Fui internado
num hospital e entrei em conflito. Ficava maravilhado com tudo que via,
porém sentia uma angústia terrível. Sentia insatisfação, a falta de algo,
havia alguma coisa que deixara de fazer.
Julguei que isso era devido à
falta de Dulce e pedi ao meu Mentor (4) que me levasse até ela.
Ele me atendeu, porém isso de
nada adiantou, pois continuei a me sentir inútil.
Comecei a me lembrar do Cabo
José e da criança que deixara de adotar. Pedi então ao meu Mentor que me
desse uma nova Missão, porque aquela eu havia perdido. Queria voltar
imediatamente!
De repente, achei-me frente a
frente com o Cabo José. Ele virou o rosto indiferente e se pôs a caminhar.
Corri atrás dele chamando-o pelo nome, porém ele continuou a virar o rosto
e evitar-me. Por fim consegui detê-lo e olhando-o de frente eu disse: Cabo
José, não sabia que havia morrido também!
Ele virou-se com um olhar
severo e respondeu exaltado: Como não sabia Sargento? Se foi o senhor que
causou a minha morte negando-me aquela dispensa? Como não sabia? Eu lhe
havia dito que estava com pneumonia e precisava de internamento. E que fez
o senhor? Virou as costas! E pior ainda, mandou que eu continuasse em
serviço! Não agüentei e tive uma hemoptise que me derrubou ali mesmo na
caserna!
Meu Deus! Exclamei horrorizado
diante do meu próprio procedimento, e atirei-me de joelhos diante do Cabo
José pedindo perdão.
Oh Tia Neiva, foi horrível!
Fiquei desesperado. Então o Cabo José virou-me as costas e sem mais
palavras desapareceu numa fila enorme.
Meu Deus, Tia Neiva! Eu não
fora malvado, porém fora muito pior, fora desumano! Não existia amor no
meu coração.
É por isso que estou sofrendo
angústias e frustrações da missão perdida.
Já fui ao Ministro pedir uma
oportunidade para voltar à Terra, reencarnar, mas isso foi mais um vexame
que tive que passar. Os Mentores disseram apenas que estava para ser
resolvido o que me competiria fazer.
E assim Tia, aqui estou no
Canal Vermelho (5), aguardando novo destino! Salve Deus Tia! Venha sempre
me ver!
Com carinho,
A Mãe em Cristo.
Tia Neiva
Notas do Texto
(1)
APARÁ
– Nome de origem afro-brasileira empregado para designar o Médium de
Incorporação da Doutrina do Amanhecer.
(2)
ELÍTRIO
– Espírito cujo corpo etérico tem a forma de uma cabeça de macaco
achatada, com 10 centímetros mais ou menos. André Luiz os chama de
Ovóides.
(3)
ESTUFA
– Disco voador etérico – “Ônibus” de transporte de Espíritos.
(4)
MENTOR
– Espírito responsável pela
orientação de um ou mais Espíritos na Terra e arredores.
(5)
CANAL VERMELHO
– Cidade Etérica para adaptação dos Espíritos.
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